03/01/2012

Artigo – Cinema: Almodóvar e as novas formas de família

 

Não é de hoje que a ficção está intimamente ligada com a vida real, tornando o mundo em que vivemos uma inspiração para os dramas vividos no cinema. Portanto, “a vida imita a arte”, célebre frase do escritor Oscar Wilde, pode se tornar verdadeira também quando considerada em seu inverso: a arte imita a vida. E é deste modo que o cineasta espanhol Pedro Almodóvar grava as suas películas: explicitando relações familiares de forma intensa, mesmo que a verdade doa (e geralmente dói). O diretor não tem medo de ousar e expor as diversas facetas humanas que, na vida real, muitos tentariam esconder. Ele destrincha as relações familiares em seus aspectos mais delicados e insiste em temas – recorrentes em seus filmes – que, infelizmente, ainda podem ser considerados tabus por algumas pessoas: as novas configurações de família.

Em seu novo filme, “A pele que habito”, em cartaz, Almodóvar toca, dentre outras, na polêmica questão da mudança de sexo, e nos faz refletir sobre a liberdade de escolha. “Primeiramente, essa decisão parte do indivíduo. A mudança de sexo é um direito previsto na Constituição Federal do Brasil, ou seja, qualquer pessoa capaz, acima de 21 anos (Resolução CFM 1955/2010) e desconfortável com sua anatomia genital, pode realizar a cirurgia”, explica o advogado Ronner Botelho, assessor jurídico do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Hoje, no Brasil, é possível realizar a cirurgia de transgenitalização pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de forma gratuita.

Identidade
Mas, e quanto à mudança de nome? “O processo de mudança de nome é mais burocrático do que o de mudança de sexo, pois se depara com os procedimentos burocráticos do judiciário, tornando o processo jurídico mais lento”, explica o advogado. Com o objetivo de facilitar os trâmites legais e reduzir o constrangimento dos transexuais que ainda possuem em seu registro o nome de batismo, a Procuradoria Geral da República entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 4275 para que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida sobre a possibilidade do reconhecimento do direito dos transexuais de trocar de nome e de sexo.

Além dessa iniciativa, a Comissão de Diversidade Sexual da OAB apresentou aos presidentes da Câmara e do Senado o anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual que prevê a possibilidade dos travestis e transexuais alterarem o nome e o sexo, independentemente da realização da operação de mudança de sexo. Para a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM e presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB, a questão do nome tem relação com vários princípios constitucionais como o da dignidade humana. “Não é possível que uma pessoa tenha uma aparência que não condiz com seu nome. Isso traz grande sofrimento e constrangimento”. Ela considera que, independentemente da cirurgia de mudança de sexo, a pessoa tem direito a alteração de nome e de gênero.

Cinema
Países como Espanha e Inglaterra já aprovaram leis de identidade de gênero, que permitem aos transexuais e travestis que alterem o nome e o gênero no registro civil, sem a necessidade de cirurgia de adequação de sexo, sempre que um médico ou psicólogo clínico constatar um mal estar psíquico de gênero. Na própria Espanha, terra natal de Almodóvar, por exemplo, a mudança de identidade pode ocorrer sem a necessidade de um processo judicial. Talvez por isto o diretor seja o cineasta mais envolvido e familiarizado com este universo. Essa identificação pode ser comprovada também em outro de seus filmes. “Tudo sobre minha mãe” conta a história de uma mãe que, anos após o nascimento de seu filho, parte em busca do pai do menino e se depara com um travesti. O filme mostra a vida íntima, com todos os traumas e dificuldades, de personagens transexuais.

Outro filme de Almodóvar que aborda uma nova estrutura familiar é “Má educação”, que conta a história de dois meninos, constantemente abusados sexualmente por um padre pedófilo, que acabam se apaixonando. Ao se reencontrarem na vida adulta, enquanto um dos personagens, cineasta, mantém uma união estável homoafetiva, o outro, travesti e garoto de programa, parte em busca do seu grande amor de infância. O desenrolar da história traz à tona uma série de valores e princípios deturpados pelo abuso sexual sofrido na infância, outro tema abordado.

O cinema de Pedro Almodóvar é contemporâneo e condiz com a sociedade atual e com a necessidade da aceitação de uma realidade irreversível: as novas formas de família. Desta forma, este tema é tratado nas películas do diretor de forma natural e intensa, desafiando todos os preconceitos.

Fonte : IBDFam

Data Publicação : 26/12/2011