08/10/2012

Avós vão à Justiça pelo direito de ver os netos

 

“Os netos são a última grande paixão dos avós.” Na primeira vez em que leu essa afirmação, cunhada pelo jurista Edgard de Moura Bittencourt, o advogado Henrique Lindenbojm apenas a achou bonita e apropriada para citar na ação que um casal de clientes movia contra o filho que os impedia de ver os netos

Era a década de 1980 e a causa foi ganha. Quase 30 anos depois, a frase ganhou outro significado. Ao citá-la, os olhos desse senhor de 71 anos se enchem d’água. “Agora, ela dói na alma”, resume ele. Segundos de silêncio depois, ele completa: “É desolador perder o contato com aqueles que levam o seu sobrenome.”

Impedido de ver os netos, ele teve de recorrer à Justiça e, sabendo que a sua situação é a mesma vivida por muitos outros brasileiros, criou, há dois meses, a página Associação dos Avós Excluídos, no Facebook. “Meu objetivo é alertar sobre a existência desse problema e ajudar a quem sofre dessa mesma privação”, diz Lindenbojm.

O direito de convívio é previsto na Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, no ano passado, a presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei que adicionou ao Código Civil um parágrafo que diz que “o direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente”.

“Quando se proíbe esse relacionamento, transgride-se um direito da criança”, explica o desembargador Rui Portanova, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. “No âmbito dos relacionamentos familiares, a Justiça trabalha com as questões da afetividade e da solidariedade. E, sob esses aspectos, o direito dos avós verem os netos é legítimo e deve ser respeitado.”

Desavenças. Na maioria dos casos, a proibição chega aos avós por efeito cascata do fim conflituoso do casamento dos filhos – as crianças ficam com a mãe, que as proíbe de contato com parentes paternos -, mas há exemplos de desavenças na própria família, isto é, filhos que rompem com os pais e vetam a convivência deles com os netos.

A psicóloga Elodéa Palmira Perdiza trabalha no Centro de Estudos e Assistência à Família (Ceaf), uma organização sem fins lucrativos que atua no atendimento psicológico, jurídico e na mediação de conflitos familiares. Ela conta que esse tipo de situação é corriqueira, mas que “cada caso é um caso”.

“Há casos em que os avós são vetados por uma discussão boba ou por uma espécie de punição por excessos de paparicos. Esses são mais simples e conseguimos resolver com uma conversa”, diz.

Há outros mais complexos, como o de uma senhora que criava o neto até que a filha se casou e o marido (que não é pai do menino) dificulta o contato da avó com o enteado. “Conversamos e, por enquanto, conseguimos que a avó veja o neto um domingo por mês. O objetivo, agora, é diminuir esse intervalo.”

Quando não se chega a um acordo, a orientação é clara: procure a Justiça. Foi o que fez Celina (nome fictício), há mais de 15 anos, quando seu filho único se separou da mulher e a ex-nora só a deixava ver a neta acompanhada pela babá ou pelo segurança. E, com o tempo, até esses encontros foram dificultados. “Ela dizia que a menina já tinha outros compromissos, que o fim de semana estava corrido, que ela ia viajar e por aí vai”, lamenta.

Indignada, Celina procurou a Justiça e ganhou a causa. “A partir de então, tive um dia estipulado e meu direito de ficar com ela sem a supervisão de ninguém.”

A regra valeu até que a neta se tornasse adolescente. “Depois disso, nos encontrávamos sempre que ela queria. Uma hora os encontros rarearam porque eu concorria com as baladas e o namorado. Mas é diferente, não é?”

Já Augusta (nome fictício) prefere a distância a criar um possível conflito entre a filhas e as netas. “Sei como é sofrer o desprezo de uma filha. Mas, por isso mesmo e apesar disso, não quero fazer o mesmo com ela, colocando minhas netas contra a mãe” (mais informações nesta página).

Proibidos. Há poucos motivos para que o pedido dos avós seja negado. O desembargador Portanova explica que isso acontece quando se percebe que a ideia do avô é, por exemplo, facilitar o contato de um dos genitores que estejam proibidos judicialmente de ver o filho. “Se um pai é impedido por conta de suspeita de abuso, por exemplo, e a gente suspeita que esse avô quer burlar essa determinação, então vetamos”, diz.

O desembargador Álvaro Augusto dos Passos, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), diz que se há a percepção de que a relação familiar também é muito tumultuada, manter a distância pode ser uma solução temporariamente apropriada. “Já cheguei a negar numa situação como essa”, revela. “Mas é exceção. O que a gente sempre pesa é o bem-estar da criança e, para isso, tentamos reproduzir uma situação de normalidade. E o normal são os netos conviverem com os avós”, acrescenta.

Pedidos semelhantes existem há décadas

Apesar de o direito de visita dos avós ter sido regulamentado somente em 2011, essa convivência tem sido pleiteada há mais de meia década judicialmente.

O primeiro acórdão, do Supremo Tribunal Federal (STF), data de 11 de novembro de 1952. No texto, que concede aos avós maternos o direito de visitar a neta, os ministros afirmam que “o contato com pessoas a que são intimamente ligados por laços de sangue, fortíssimos, é de grande benefício para os menores na sua formação moral e afetiva”.

Um discurso que tem sido repetido nas decisões tomadas nos dias de hoje, mas que vem acrescido da citação da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além da lei sancionada no ano passado pela presidente Dilma Rousseff.

Da Constituição, é evocado o artigo 227, que afirma que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Já o artigo 19 do ECA dispõe que “toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária”.

Por fim, a lei 12.398, sancionada no ano passado, acrescenta um novo parágrafo ao Código Civil. O texto diz “que o direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente”.

“Isso é o reconhecimento oficial da importância da convivência”, diz a advogada especialista em direito de família Maria Vicente de Azevedo. Para ela, os progressos da legislação devem ajudar os avós a entenderem e pleitearem os seus direitos.

Ocimara Balmant-

Fonte: matéria em O ESTADO DE S. PAULO – VIDA – 7.10.12, retirada do Boletim AASP